Após mais de seis anos de investigações, os ex-policiais Ronnie Lessa e Élcio Queiroz foram condenados nesta quinta-feira (31) pelos assassinatos da vereadora Marielle Franco (PSOL) e do motorista Anderson Gomes, em março de 2018, no Rio de Janeiro.
Lessa foi condenado a 78 anos e 9 meses de prisão, além de 30 dias-multa. Élcio foi sentenciado em 59 anos e 8 meses, além de 10 dias-multa. Como ambos fizeram delação, eles não devem cumprir toda a sentença.
O veredito foi proferido após julgamento do 4º Tribunal do Júri do Rio de Janeiro, que começou às 10h30 de quarta-feira (30) e foi concluído às 18h26 desta quinta-feira (31).
Eles foram condenados a pagar uma indenização por dano moral de R$ 706 mil para cada um dos seguintes parentes das vítimas: Marinete da Silva (mãe de Marielle), Mônica Benício (viúva), Luyara Franco (filha), Agatha Arnaus (viúva de Anderson) e Arthur (filho de Anderson). Também terão de pagar uma pensão ao filho de Anderson, que tem problemas de saúde, até ele completar 24 anos —ele tem 8.
A sentença foi lida pela juíza Lúcia Glioche, que presidiu o julgamento, com um duro discurso contra os acusados e um recado para sicários do Rio de Janeiro.
“Fica aqui para os acusados presentes, e serve para os vários Ronnies e vários Élcios que existem por aí soltos a seguinte mensagem: ‘A Justiça por vezes é lenta, é cega, é burra é injusta, é errada, é torta. Mas ela chega'”, disse a magistrada.
“A Justiça chega mesmo para aqueles, como os acusados, acham que jamais vão ser atingidos pela Justiça. Com toda dificuldade de ser interpretada e vivida pelas vítimas, a Justiça chega aos culpados e tira deles o bem mais importante depois da vida, que é a liberdade. A Justiça chegou para os senhores, Ronnie Lessa e Élcio de Queiroz.”
A pena estabelecida pelo tribunal só será aplicada integralmente caso haja descumprimento do acordo de colaboração premiada que ambos assinaram. A rescisão da delação ocorre em casos como identificação de alguma mentira, omissão ou cometimento de novo crime.
O acordo de Lessa prevê o cumprimento de pena em regime fechado até março de 2037 —18 anos na cadeia contados a partir da data da prisão, em 2019. Depois estão previstos dois anos em regime semiaberto e outros dez em livramento condicional. Os 30 anos se referem aos 12 processos a que ele responde. A reunião das penas será feita pelo juízo de execução penal.
Os detalhes do acordo de Élcio não são de conhecimento público.
“Esse acordo é muito rígido. É talvez um dos mais rígidos feitos no Brasil”, afirmou o promotor Eduardo Martins durante sua sustentação oral aos jurados.
“Se eles omitiram, se mentiram, se voltarem a cometer outro crime… […] Se faltando um mês, praticarem uma infração mínima, se dirigirem alcoolizados, vão cumprir a pena inteira que o senhores reconhecerem e a juíza fixar. Têm que cumprir a pena sem cumprir falta grave. Não vão poder tentar fugir do presídio, agredir um agente penitenciário. Se isso acontece, ele volta para cumprir os 30 anos fechados”, disse o promotor.
Ele afirmou que os jurados condenaram os réus por todos os crimes imputados na denúncia (duplo homicídio, tentativa de homicídio e receptação de veículo roubado) e todas as agravantes pedidas (motivo torpe, emprego de emboscada e impedimento de defesa da vítima).
“Agora é uma questão técnica. Vamos olhar a sentença com calma, se é ou não o caso de recorrer. Percebemos uma diferença de 20 anos do Élcio para o Ronnie e pareceu uma discrepância grande. Vamos analisar com calma e se for o caso, vamos recorrer”, disse ele.
A ministra Anielle Franco (Igualdade Racial), irmã de Marielle, disse que “foram muitos dias, noites, anos cuidando dos meus pais, numa dor que não tem nome”.
“A gente sempre falou desde o começo que a gente não ia desistir e parar enquanto a justiça não fosse feita. O maior legado da Marielle para o país é a prova de que pessoas negras, favelas, mulheres merecem permanecer viva”, disse ela, que acompanhou os dois dias de julgamento.
Lessa e Queiroz participaram do júri por videoconferência. O primeiro está preso no Complexo Penitenciário de Tremembé, em São Paulo, e o segundo, no Complexo Penitenciário da Papuda, no Distrito Federal.
Os dois firmaram acordo de delação e confessaram o crime. Queiroz confessou ter dirigido o carro para que o ex-PM Lessa desse os tiros que mataram Marielle e Anderson.
Lessa também apontou o deputado federal Chiquinho Brazão e o conselheiro do TCE-RJ Domingos Brazão como os mandantes do crime. Os dois estão presos, assim como o delegado Rivaldo Barbosa, ex-chefe da Polícia Civil do Rio de Janeiro, acusado de ajudar os irmãos a planejar o crime.
Os três respondem a ação penal no STF (Supremo Tribunal Federal), que está na reta final da instrução.